Mito: Orfeu e Eurídice e a imprudência
Os mitos nos ajudam a entender as relações humanas e guarda em si a
chave para o entendimento do mundo e da nossa mente analítica. A mitologia
grega, repleta de lendas históricas e contos sobre deuses, deusas, batalhas heroicas e jornadas no mundo subterrâneo, revela-nos a mente humana e seus meandros
multifacetados. Atemporais e eternos, os mitos estão presentes na vida de cada
Ser humano, não importa em que tempo ou local. Somos todos, deuses e heróis de
nossa própria história.
Por Lucia de Belo Horizonte
Orfeu era poeta e músico, filho da musa Calíope e de
Eagro, rei da Trácia. Era o músico mais talentoso e quando tocava sua lira
que lhe fora presenteada por Apolo, os pássaros paravam de voar para escutar e
os animais selvagens perdiam o medo. As árvores se curvavam para pegar os
sons no vento.
Ele foi um dos os argonautas que ajudou Jasão na viagem para buscar o
Velocino de Ouro. Durante a ida, acalmava os tripulantes. Durante a volta,
Orfeu salvou os outros tripulantes quando seu canto silenciou as sereias,
responsáveis pelos naufrágios de inúmeras embarcações.
Orfeu apaixonou-se por Eurídice e casou-se com ela. Enquanto Orfeu tocava feliz
a sua lira, ela dançava e cantava nos bosques, aguardando por sua noite de
amor. Mas Eurídice era tão bonita que, em pouco tempo atraiu um apicultor
chamado Aristeu. Quando ela recusou suas atenções, ele a perseguiu e tentando
escapar, ela tropeçou em uma serpente que a picou e a matou. A tão
esperada concretização do seu casamento não se realizou.
Orfeu ficou transtornado de tristeza e levando sua lira, resolve empreender uma
viagem ao Mundo dos Mortos para tentar trazê-la de volta. Caminha por
muitos dias e noites em florestas e encostas íngremes. Sua voz fraca e o
luto amargo, comprometem a comunicação com as pessoas. Orfeu chega à
entrada dos infernos, a gruta que fica ao pé do monte Tênaro.
Afastando-se da luz, ele penetra as sombras e mergulha acompanhado pela paixão,
na trilha repleta de frio e silêncio. Orfeu canta na solidão, quando
avista o rio Estige. Ao avistar o barqueiro Caronte, condutor de almas, Orfeu
pede que o transporte em busca da amada, mas ele nega alegando não
conduzir vivos. A canção pungente e emocionada de sua lira convence o
barqueiro Caronte a levá-lo pelo rio Estige.
A canção da lira adormece Cérbero, o cão de três cabeças que vigiava os
portões. Sua melodia alivia os tormentos dos condenados e encanta os monstros
do caminho. Quando finalmente Orfeu chega ao trono de Hades, o rei dos
mortos fica irritado ao ver que um vivo tinha entrado em seu domínio, mas
a agonia na música de Orfeu o comove, e ele chora lágrimas de ferro. Sua
esposa, a deusa Perséfone, implora que atenda o pedido de Orfeu. Assim, Hades
atende seu desejo.
Em total desespero, Orfeu passou a vagar pelo mundo. Tornou-se triste
e passou a exercer o Orfismo, uma espécie de serviço de aconselhamento, em
que ele ajudava a outros com seus conselhos, mas não conseguia resolver seus próprios
problemas.
Recusava-se a olhar para outras mulheres, até que furiosas por terem sido
desprezadas, um grupo de mulheres selvagens e frenéticas, chamadas
Mênades, o atacaram atirando dardos. Os dardos de nada valiam contra a sua música, mas
elas, abafando sua música com gritos, conseguiram atingi-lo e o mataram. Depois
despedaçaram seu corpo e jogaram sua cabeça cortada no rio Hebro, que
flutuava cantando, "Eurídice! Eurídice!"
As nove musas, Calíope e suas irmãs, reuniram seus pedaços e os enterraram
no monte Olimpo, e desde então, os rouxinóis cantaram mais docemente que
os outros, pois assim Orfeu, na morte, se uniu à sua amada Eurídice.
Às Mênades, que tão cruelmente mataram Orfeu, não foi concedida a misericórdia
da morte. Quando elas bateram os pés na terra em triunfo, sentiram seus
dedos entrarem no solo. Quanto mais tentavam tirá-los, mais
profundamente eles se enraizavam até que elas se transformaram em
silenciosos carvalhos. E assim permaneceram pelos anos, batidas pelos ventos
furiosos que antes se emocionavam ao som da lira de Orfeu.
O Mito de Orfeu e Eurídice mostra que tudo o que
fazemos nasce de um desejo, de um propósito ou uma promessa. No entanto, a
concretização pode ser comprometida pela impulsividade e pela imprudência.
Muitas vezes na vida nos desviamos dos nossos objetivos porque nos
deixamos distrair, o que pode levar ao encontro com a Serpente, que pode
destruir tudo o que havíamos construído antes.
O Mito mostra que a parte atingida de Eurídice foram os pés, símbolo de que só
podemos caminhar quando temos a prudência de sabermos por onde estamos
andando. Alguns caminhos podem nos levar aos lugares onde o
sofrimento estão nos esperando, e os quais podemos evitar usando a
consciência. Tantos heróis como Aquiles, Hércules e Édipo também se
perderam após serem atingidos nos pés, por causa de sua distração e
vulnerabilidade, relacionados ao signo de Peixes.
É próprio do ser humano tornar-se inconsolável diante das perdas e assim como
Orfeu, é natural tentar se recuperar das perdas. Podemos nos recusar a
seguir adiante na vida perseguindo um objetivo fracassado ou não
aceitando acontecimentos inevitáveis, como a morte por exemplo, algo que
já foi e que não retornará; ou dedicarmos a ajudar a outros que sofrem, no
entanto, não conseguiremos a apagar o nosso sofrimento.
O que podemos buscar é apenas uma nova oportunidade, porém há uma condição:
assim como Orfeu, não podemos voltar para trás, para o passado. É preciso
confiar que mais adiante encontraremos as respostas para aplacar nossa
dor, quando atingirmos a luz da consciência. Mas se não cumprirmos essa
condição, nossa dor pode se tornar maior e nos destruir, e estaremos fadados
a permanecer eternamente num tempo que não volta mais.
Fonte: http://eventosmitologiagrega.blogspot.com/
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